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27 de junho de 2015

A carta de um grupo de Antigas Alunas do IO e a Declaração dos Oficiais das Forças Armadas

Os Oficiais dos três Ramos das Forças Armadas, reunidos em Lisboa a 25 de Junho, num Encontro de Reflexão, perante a situação actual da Instituição Militar, da Defesa Nacional e do País em geral, consideraram ser seu dever alertar os portugueses para a realidade das Forças Armadas e para os riscos que esta mesma realidade representa, para a Soberania e para a Defesa Nacional (ver Declaração em baixo).


Neste encontro esteve presente um grupo de Antigas Alunas do IO, que não desiste de defender o IO, em várias frentes, e que leu uma carta dirigida a todos os Oficiais (ver Carta em baixo). Este grupo de mulheres luta por uma escola com 115 anos que o Governo de Portugal, nomeadamente na pessoa da Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, Dr.ª Berta Cabral, quer extinguir para "fazer História". Um grupo de mulheres que, no Presente quer fazer Futuro, honrando o Passado do IO. Um grupo de mulheres que honra o ser Mulher em Portugal.

Carta de um grupo de Antigas Alunas do IO

Senhores Oficiais,
A extinção do Instituto de Odivelas não beneficia ninguém salvo, talvez, alguma negociata obscura e inescrupulosa feita por alguém igualmente obscuro e inescrupuloso.

A inexplicável e ainda inexplicada extinção do Instituto de Odivelas, em violação de normas da CRP, disposições do CPA e convenções internacionais ratificadas por Portugal, não pode deixar de ser um espinho na consciência das chefias militares que a ela não se opuseram.
 

Portugal fica mais pobre porque perde uma instituição centenária de prestígio internacional, uma escola de comprovada e reconhecida excelência e um instrumento da nossa política externa.

As jovens portuguesas ficam mais pobres porque perdem a possibilidade de frequentar o único colégio feminino com internato explicitamente criado para lhes transmitir conhecimentos e competências para a sua subsistência e autonomia.


As antigas alunas e suas famílias ficam mais pobres porque estão a ser despojadas de um património intangível que moldou a sua identidade e marcou o seu passado.


As Forças Armadas ficam mais pobres porque não se honram colaborando na destruição irracional da instituição que educou as suas avós, mães, mulheres, irmãs, filhas e netas! E porque não se honram traindo o grupo de Camaradas Oficiais que, em 1900, com uma visão extraordinária numa época em que a educação não era sequer um direito protegido e muito menos para as mulheres, decidiu fundar uma escola para as proteger e ensinar a ser livres e independentes.
 

O Instituto de Odivelas não merece este tratamento.
 
Dos 3 colégios militares (IO, CM e IPE) é o Instituto de Odivelas que apresenta melhores resultados académicos, que representa menos custos para o orçamento de estado, e que dispõe de melhores instalações - veja-se a avidez na disputa do seu corpo docente e agora do seu espólio!


O que se está a passar é uma discriminação objectiva: mantêm-se dois colégios de matriz e cultura masculina e extingue-se o único colégio de raparigas apesar de entre os três colégios ser inegavelmente o melhor!


Porém o mérito é factor alheio a todo este indigno processo. O Instituto de Odivelas ainda não ostenta Presidentes e Generais nas suas fileiras, nem “dispõe” de massa crítica instalada nas repartições militares. O Instituto de Odivelas era o elo mais fraco e, com a obstinação cega do ministro Aguiar-Branco e a cumplicidade activa ou passiva das chefias militares, foi o alvo mais fácil.


Ao longo de mais de dois anos perseverámos na luta contra a extinção do Instituto de Odivelas, sabemos que este assunto não faz parte das preocupações que aqui vos reúnem hoje mas queremos que saibam que não desistimos do Instituto de Odivelas nem desistimos de chamar às suas responsabilidades quem dele desistiu.

Ana Coucello (68/1959)
Ana Lobo (275/1956)
Ana Mota (6/1959)
Conceição Brito (246/1956)
Elsa Martins Magro (135/1979)
Helena Martins (153/1978)
Isabel Joglar (362/1959)
Isabel Ribeiro Pereira (377/1974)
Leonor Tavares (16/1954)
Maria João Marcelo Curto (254/1960)
Maria José Pascoal (202/1955)
Maria Luis Figueiredo (225/1956)
Silvia Baldo (12/1983)
Sofia Vaz Serra (381/1974)
Toribia Cancela (158/1973) 

Esta carta mereceu o forte apoio dos Oficiais presentes, bem expresso nos imensos aplausos verificados no final da respectiva leitura.  


Declaração dos Oficiais das Forças Armadas (pdf)

Oficiais dos três Ramos das Forças Armadas, reunidos em Lisboa a 25 de Junho, num Encontro de Reflexão, perante a situação actual da Instituição Militar, da Defesa Nacional e do País em geral, consideram ser seu dever alertar os portugueses para a realidade das Forças Armadas e para os riscos que esta mesma realidade representa, para a Soberania e para a Defesa Nacional. 

Neste contexto: 
- Repudiam o discurso laudatório da actual tutela política relativamente às medidas que sucessivamente têm vindo a ser tomadas para com as Forças Armadas e os seus servidores militares, militarizados e civis, apresentadas como reformas estruturantes, mas que não têm sido mais do que acções avulsas, cujo efeito tem sido o degradar da Instituição Militar no que se refere a organização, capacidades e efectivos, bem como em relação à situação profissional e pessoal de quantos nela servem e, também, dos seus familiares. Neste particular, consideram perversa a desqualificação dos direitos e deveres consignados na Lei-quadro da Condição Militar, o que só pode contribuir para uma funcionalização das Forças Armadas. 

- Repudiam, igualmente, a tentativa de desresponsabilização política da tutela, que sempre tem feito o anúncio público das medidas tomadas, escudando-se na participação e concordância das Chefias Militares 

- Repudiam, ainda, o repetido anúncio tutelar de um clima de satisfação e de tranquilidade institucional que só na aparência existe, tirando partido de forma iníqua, do sentido do dever, de disciplina e de profissionalismo dos militares. 

- Sublinham a degradação do Serviço de Saúde das Forças Armadas, que deixou de ter capacidades de reserva estratégica do Serviço Nacional de Saúde, com sérias fragilidades no apoio aos militares e seus familiares, bem como da acção social complementar, através do Instituto de Assistência Social das Forças Armadas o que, a par da recente promulgação do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, introduz uma quebra de solidariedade geracional, que nunca existiu, nem pode existir na Instituição Militar. 

- Alertam para uma acção governativa que em relação às Forças Armadas se tem traduzido por um conjunto de decisões, apelidadas de “Reforma 2020”, materializadas pelo cancelamento da maioria dos programas de modernização que estavam em curso, por menos recursos humanos e materiais, menos capacidades, menos unidades operacionais disponíveis, menos meios passíveis de serem empregues, quer em termos nacionais, quer no âmbito dos compromissos internacionais, e menores graus de prontidão, com realce para os meios aéreos e navais dedicados às Regiões Autónomas. Neste âmbito, apregoa-se o feito, de mais de mil milhões de poupanças, ignorando-se os muito mais que serão necessários despender para recuperar o que foi afectado, sem sequer preparar forças complementares ou prever medidas para o crescimento, em caso de necessidade, do Sistema de Forças Nacional. Tudo isto, ignorando as crescentes ameaças à Europa, que podem exigir operações de combate. 

- Sublinham, ainda, que o desenvolvimento de carreiras militares, publicitado recentemente, tem sido anunciado como uma condescendência de carácter excepcional, uma medida extraordinária não planeada, nem orçamentada, quando no fundo, todos o sabem, decorre do normal cumprimento da legislação em vigor e do indispensável preenchimento dos Quadros Orgânicos. 

A actual acção governativa, pretendendo justificar a necessidade das medidas que toma com a situação de emergência económico-financeira que o País vive, ignora deliberadamente que as Forças Armadas são a instituição que mais se reformou, desde a instauração do Regime Democrático, em 1974. 

Não nos conformamos com um tratamento desigual, que parece configurar uma acção persecutória à Instituição Militar e a quantos nela servem, explorando as limitações de direitos que a Constituição da República impõem a todos quantos optaram por dar o melhor de si, a Portugal e aos portugueses, nas Forças Armadas. 

O poder político não pode ser exercido apenas para justificar, arrogantemente, medidas e soluções únicas, o que em Democracia não é aceitável. Ao invés, reivindicamos que reconheça, de facto, que o que é diferente deve ser tratado de forma diversa, tal como, afinal, tem acontecido em relação a outras carreiras especiais do Estado. Existe um ambiente de tranquilidade doentia que vem encontrando raízes na desmotivação profissional e que só o sentido do dever e da disciplina dos militares, tem evitado que se torne numa evidência pública, mas que não se pode mais silenciar. 

Perante estes factos, consideramos ser um dever inadiável, trazer a público estas posições, porque para os militares, o dever de lealdade para com o poder legítimo não deve, nem pode, sobrepor-se ao dever de fidelidade para com a Instituição Militar e para com o País e apelar à consciência cívica e ao sentido de Estado de todos os responsáveis no âmbito da Defesa Nacional e das Forças Armadas para que se tome consciência da situação que estas vivem, evitando que a gravidade da situação se torne irreversível e possa pôr em perigo a solidez e a estabilidade da Instituição Militar, para garantir o cumprimento das missões de soberania, face a possíveis cenários de grande incerteza e risco. 

 Lisboa 25 de Junho de 2015.